Ler forneceu-me uma desculpa para a privacidade ou talvez tenha dado um sentido à privacidade que me era imposta, visto que, durante toda a minha infância, depois de termos regressado à Argentina em 1955, vivi à parte do resto da minha família, a cargo da minha ama numa outra zona da casa. Nessa altura, o meu lugar de leitura preferido era o chão do meu quarto, deitado de bruços e com os pés enganchados numa cadeira. Mais tarde, a minha cama, pela noite dentro, tornou-se o lugar mais seguro e mais isolado para ler naquela região nebulosa entre a vigília e o sono. Não me recordo de alguma vez me ter sentido só; de facto, nas raras ocasiões em que me encontrava com outras crianças, achava as suas brincadeiras e conversas bem menos interessantes do que as aventuras e os diálogos que lia nos meus livros.
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Alberto Manguel, Uma História da Leitura
Editorial Presença, 1998, pág. 24
27.6.06
a leitura e a sensação de pertença
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